quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Que caminho para a unidade dos autocaravanistas?

“Os bons exemplos, em termos de organização e luta por ideais comuns, continuam a vir de Espanha. Penso que deveria ser sob esta forma que os autocaravanistas portugueses deveriam "esgotar" as suas forças e não de outras, menos produtivas e difusoras de imagens negativas"
Quem o afirmou isto foi Paulo Rosa no fórum do seu CCP-Clube Camping-car Portugal.

Claro que Paulo Rosa tem todo o direito a pensar que... mas o que é facto é que pensa mal. Como outros que por aí andam clamando unidade enquanto servem veneno, ele está equivocado.

Não é possível lutar por ideias comuns sem primeiro as discutir, sem primeiro submeter as ideias diferentes ao escrutínio da legitimação democrática. Em democracia é assim que se definem as ideias comuns e se identificam os rumos colectivos a prosseguir. Antes de nos unirmos, precisamos de saber claramente por que estamos a lutar, para onde estamos a caminhar. A unidade não é um valor em si mesmo, não pode ser vista como um fim. Só faz sentido invocar a unidade quando ao serviço de um superior desígnio colectivo. Nunca como valor em si mesmo.

Espanha não é excepção, pelo contrário, é mesmo um caso paradigmático que demonstra o contrário do que Paulo Rosa afirma. Antes de atingirem o actual estado de maturidade organizacional, os autocaravanistas espanhóis protagonizaram (e continuam a protagonizar) intensas disputas de ideias (por vezes atingindo níveis de agressividade verbal que eu nunca vi plasmada noutro qualquer local).

Os vários fóruns de autocaravanismo em Espanha revelaram a existência de diferentes sensibilidades e diferentes estratégias de afirmação institucional do autocaravanismo. Primeiro surgiu a PACA-Plataforma Autónoma de Autocaravanas com uma ambição federativa, que antes de atingir a actual estabilidade foi atravessada por uma avassaladora disputa interna e por um processo de demissões em cadeia.

A partir dos fóruns existentes formaram-se grupos e mais tarde Clubes de base regional. Posteriormente formou-se a FEAA- Federación de Asociaciones Autocaravanistas de España num processo que foi tudo menos pacífico (e que continua a não sê-lo, até porque há clubes que não pertencem à Federação).

Entretanto, sujeita a uma intensa onda de criticas, a velha Federação Espanhola de Campismo (FECC) inflectiu a trajectória e passou a inscrever o autocaravanismo na sua agenda, em clara disputa com a PACA e a FEAA, mas, ao contrário do que acontece com a Federação campista portuguesa, aceitando conviver com as organizações representativas dos autocaravanistas.

Em síntese, os companheiros espanhóis em cerca de 4 anos edificaram um invejável edifício institucional que lhes permite actualmente ensaiar formas colectivas de defesa dos direitos dos autocaravanistas (já com resultados palpáveis, mas sem falsas unidades uniformizadoras).

Não foi com falinhas mansas, com discursos politicamente correctos nem com patuscadas que os espanhóis aqui chegaram. Chegaram aqui porque houve autocaravanistas que se expuseram publicamente, porque houve autocaravanistas que “esgotaram” as suas forças esgrimindo com outros argumentos em defesa das suas convicções e sugerindo novos e ousados trilhos para o autocaravanismo. Chegaram aqui porque houve quem desse a cara, sem receio dos tomates que lhe atirassem ao caminho!

Os companheiros espanhóis chegaram aqui porque a discussão, a reflexão crítica, é a fonte da verdade, a luz que ilumina o caminho colectivo. Não foi por fazerem patéticos apelos à unidade, pois que qualquer pessoa lúcida compreende que a unidade na acção tem um estreito trilho para se materializar, e normalmente esgota-se nos sorrisos e abraços partilhados nas patuscadas ou no meramente simbólico cumprimento de estrada.

Enquanto em Portugal continuarmos sobretudo preocupados com a imagem com que ficamos na fotografia, cultivando a simpatia das palavras ocas e de circunstância... continuaremos divididos, pois tal significa que há quem não tenha aprendido nada com a História nem com a Biologia, ou com as abordagens sistémicas da natureza. Qualquer delas nos demonstra que a fonte do progresso é a diversidade sistémica conjugada com a dinâmica da luta das espécies (seja pela sua sobrevivência, seja pela sua afirmação gregária).

Para quem queria dar-se ao incómodo de reflectir sobre isto, abstraindo-se das pessoas concretas envolvidas, lembro apenas que Salazar também impôs ao país o governo da União Nacional, ... com os resultados que a história testemunha.

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