terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Autocaravanismo: uma miríade de sensibilidades...

Todos estaremos de acordo que o Autocaravanismo, hoje, transcende larga e decisivamente a “sensibilidade campista” que, podemos admitir, terá sido, pelo menos em Portugal, a “corrente” que terá iniciado a utilização da autocaravana, então como mais um “equipamento de campismo”.

Creio que todos os possuidores de autocaravana, independentemente da sua “sensibilidade”, poderão, hoje, concordar que o equipamento de que são possuidores lhes permite ir muito além do campismo, mesmo que a este se queiram restringir. Falo, em concreto, e apenas, do campismo “legal”, praticado nos espaços a ele destinados, e não do chamado “campismo selvagem” que todos os autocaravanistas social e ambientalmente conscientes - campistas ou não - rejeitarão em absoluto.

No entanto, a FCMP, entidade que se afirma tuteladora (também), do autocaravanismo, (chegando ao ponto de registar sinalização cuja propriedade intelectual duvido que seja de sua autoria), tem tido um comportamento, público e activo, em completa dissonância com a apreciação que, estou certo, de forma esmagadora, podemos fazer da realidade autocaravanista, seja em Portugal ou noutro qualquer país, assumindo-se mais como um adversário do que como parceiro do nosso movimento.

Também, alguns Clubes de Campismo, com ou sem secções específicas, têm sido tentados a ver o Movimento Autocaravanista apenas como mais uma versão de campismo, engrossando a tendência para o acantonamento das autocaravanas nos campings.

Até o ACP que, pelo menos, deveria entender a autocaravana como um veículo com direitos iguais aos demais, parece afinar pelo mesmo diapasão ao “recriar” a sua “secção de campismo” com particular interesse pelas autocaravanas (que não pelo autocaravanismo), tendo em conta algumas notícias surgidas em blogues.

Finalmente, e não menos gravoso, através da Portaria 1320 de 2008, ficámos a saber que o legislador “foi levado” a regulamentar sobre AS - áreas de serviço para autocaravanas, inseridas numa portaria regulamentadora de campismo. Isto com o aparente aplauso (só?) de algumas “sensibilidades” autocaravanistas.

Serão estes casos, entre outros, obras da falta de informação e compreensão do “fenómeno” autocaravanista? Não creio. Acredito antes que fazem parte de um todo que visa “orientar” o nosso Movimento e limitá-lo na sua “mobilidade”. Sob a capa da criação de melhores condições, mascara-se a apetência económica que o “fenómeno” desperta e a vontade de nos “encaminhar”, de forma clara ou encapotada, para a vertente “campista” e as suas limitações implícitas.

É nisto que, definitiva e objectivamente, não poderemos consensualizar.

Nesta base, todos os entendimentos estarão, à partida, votados ao fracasso ou feitos apenas com uma parte do nosso movimento.

Não estamos contra a possibilidade da iniciativa privada ou mesmo pública, via autarquias p.e., quer em campings ou, preferencialmente, fora deles, se criarem AS devidamente equipadas e, eventualmente pagas, mas antes, que se limite a estes espaços a utilização das autocaravanas e que, mais uma vez, se enquadre o autocaravanismo naquilo que, hoje, maioritária e definitivamente já não é - um “movimento campista”.

Sabendo da apetência persecutória que alguns agentes da nossa vida político-administrativa têm pelo “fenómeno” autocaravanista, qualquer brecha deixada na Lei, constitui-se como uma verdadeira auto-estrada para a “marginalização” e o “acantonamento”.
Porventura ainda haverá entre nós algum autocaravanista, mesmo que “campista”, que não partilhe da ideia que uma autocaravana tem o direito de livremente circular e parquear em condições idênticas aos outros veículos e, tendo como têm, um acréscimo de “competências”, na capacidade e condições higiénicas e ambientais adequadas para uma “vida” a bordo, se possa fazer dela a nossa “casinha itinerante”, em qualquer lugar?

A todos, e particularmente a cada um de nós, que investimos numa autocaravana, como meio preferencial de podermos viajar e conhecer novas terras, novas gentes, novas culturas, impõem-se várias reflexões e para as quais é preciso encontrar as respostas e, sobretudo, uma forte determinação de agir, conjuntamente, para defender a nossa liberdade, a nossa dignidade e os nossos direitos cívicos.

O actual momento do autocaravanismo em Portugal é muito crítico. Apesar da grande proliferação de notícias, blogues, portais, círculos, clubes, etc., não lhes consigo encontrar uma verdadeira linha condutora. Por isso, não acredito que esta situação seja um sinal de vitalidade e maturidade e, muito menos, de “união”.

A unidade constrói-se enraizada em ideias chave e não numa amálgama de pessoas, às vezes com interesses e sensibilidades distantes e, quiçá, antagónicas.

Enquanto não “exorcizarmos” fantasmas, clarificando de vez, cada uma das nossas identidades, jamais arranjaremos o denominador comum do querer colectivo e estaremos fragilizados face à sociedade em geral, aos diversos interesses instalados e aos próprios poderes públicos instituídos.

Não acreditamos na unidade do silêncio e da concordância cega, do “nacional-porreirismo”, dos “encontros, festas e romarias” que, tendo o seu lugar próprio nas horas de lazer, não dispensam, e muito menos devem ofuscar, a seriedade que deve ser posta na clarificação da nossa identidade.
Queremos a unidade construída no apuramento da nossa consciência de cidadãos e autocaravanistas, só possível num quadro de uma discussão desapaixonada e arredada de personificação, e antes direccionada para a definição clara e objectiva do que é ser, hoje, autocaravanista. Este é um ponto de partida que considero essencial.

Forçar a “união”, sem a imprescindível clareza de identidades, seria uma espécie de "alquimia milagrosa".

Não se unificam sensibilidades diversas sem se entender cada uma delas e sem definir o ponto (ou pontos) de união. Primeiro, clarificam-se cada uma delas e, mais tarde, procuram-se as eventuais convergências, essenciais à formação de parcerias e colaborações.

Há um caminho sério e mutuamente respeitador a percorrer entre os autocaravanistas e as suas diferentes sensibilidades.

Encontrado cada ponto de partida e definido um ponto convergente de chegada, o Movimento (plural) poderá, então, avançar fortalecido para enfrentar o desafio comum da dignificação e da plena cidadania.

Indo, por hora, ao “ponto de partida”, permitia-me desafiar a audiência, para já, na resposta a duas questões:

- Haverá uma identidade comum, num quadro realista de diversidade de sensibilidades?

- O que podemos esperar (ou exigir) do CPA, clube referencial no movimento, e dos outros intervenientes?

Fico na expectativa dos vossos contributos, permitindo-me sugerir serenas reflexões, sem abdicação de elevada exigência e rigor nas respostas. Só assim, creio, poderemos encontrar os caminhos que melhor podem melhor servir o nosso “movimento”.


Cordialmente,
Laucorreia

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