quarta-feira, 13 de maio de 2009

Anuncia-se o fim do Autocaravanismo em Portugal?

Recentemente tive oportunidade de fazer um périplo que me levou a percorrer a costa atlântica portuguesa entre Albufeira e Sines. A experiência pessoal enquanto turista itinerante só não foi melhor porque as condições climatéricas não ajudaram. Mas terminei esta viagem muito apreensivo quanto ao futuro do autocaravanismo enquanto forma diferente de estar na vida e conviver em liberdade com os outros e a natureza.
Um pouco por todo o lado se avistam placas e sinais anunciando que é proibido fazer campismo. Claro que sou o primeiro a defender que a prática do campismo fora dos campings deve ser punida. O problema não é esse, mas sim o facto de tais indicações significarem, no entendimento de quem as colocou, que dormir dentro de uma autocaravana é fazer campismo. Sempre a eterna associação que nos persegue por todo o lado, o entendimento de que autocaravanismo é uma modalidade de campismo (e ainda há quem aplauda a intervenção da FCMP quando se reclama de representante do autocaravanismo!!!!!!).
Noutros casos, como as fotos seguintes ilustram, é-se mais explícito:

Dirão que esta sinalética é ilegal, e têm razão (não confundir com proibição instituída pelos POOC), mas o problema é que ela serve de pretexto às autoridades policiais para incomodarem e escorraçarem os autocaravanistas.
O que fazem os líderes autocaravanistas face a isto? Nada. Ou por outra, quase nada, já que pela mão do Pai Natal chegou ao Quartel da GNR no Carmo uma menina loura maquilhada de bruxinha crescida... para animar as tropas e dar aulas à polícia (sobre touring?). Ao mesmo tempo, com a bênção do CPA e do MIDAP-Dc, a Federação pagou a um advogado para sossegar os autocaravanistas garantindo-lhes que não é proibido pernoitar nas autocaravanas estacionadas... dentro dos parques de campismo.

Enquanto isto, tendo como pivots as Câmaras Municipais, atiram-se à água milhões de euros do dinheiro dos contribuintes para construir marinas. Por ironia, a maioria desses milhões foram pagos pelos contribuintes alemães, os mesmos que depois são escorraçados daqui quando viajam em autocaravana.

Os estudos feitos revelam que um turista convencional não gasta mais dinheiro por onde passa do que um autocaravanista. Os autocaravanistas não vão dormir aos hotéis? E então... muitos dos viajantes em iate também dormem no interior do barco ancorado na marina!

Nada tenho, obviamente, contra o turismo náutico. Mas não posso deixar de me interrogar: o que será que leva as Câmaras a escorraçarem os autocaravanistas e a gastarem milhões com as marinas?

Estaremos a precisar de chamar a atenção das revistas cor-de-rosa exibindo uns jovens de corpos atléticos acompanhados por beldades louras bem bronzeadas passeando-se em autocaravana? Ora aqui está uma oportunidade para os amantes do touring "mostrarem serviço"...

Dir-se-á que a razão de ser do problema é haver donos de autocaravana que na falta de áreas de serviço fazem despejos para as linhas de água. E os milhares de pessoas que diariamente se deslocam nos barcos que sulcam as águas do Oceano, onde vão drenar os seus WC's? E qual o destino dos detritos das WC dos comboios que diariamente transportam milhares de pessoas? E quantas são as Autarquias que descarregam no rio e/ou no mar os esgotos domésticos?

Deixemo-nos de hipocrisias! Claro que o ambiente é um valor que não pode ser posto em leilão, mas bem sabemos que no caso não é isso que está em causa. Se a preocupação das autoridades com os autocaravanistas tivesse a ver com razões ambientais, então a atitude seria outra.

O dinheiro público gasto por cada barco que passa uma noite numa marina (mais de 700 euros), não tem nada a ver com a taxa de utilização paga pelos ditos turistas que na marina têm ao seu dispor um amplo conjunto de apoios logísticos (WC, duches...). Ou seja, pelo custo para os contribuintes de um barco numa noite na marina construía-se uma área de serviço para autocaravanas como esta:




O que na minha modesta opinião nos servia perfeitamente, pese embora andar por aí quem considere fazer um grande favor ao autocaravanismo em vender máquinas para áreas de serviço (que depressa deixarão de funcionar). Enfim...








É por essas e por outras tais que cada vez mais vejo os autocaravanistas serem remetidos para os descampados, lixeiras e terrenos de ninguém, como as fotos anteriores ilustram. Nesta viagem que fiz não observei práticas de campismo selvagem em autocaravana, mas não obstante foram sempre estas as condições em que vi estacionadas as autocaravanas.
São imagens deprimentes que me trazem à memória os acampamentos de ciganos em trânsito, invariavelmente nos descampados e terrenos inóspidos situados fora dos povoados.
Estarão os autocaravanistas condenados a ser os ciganos do século XXI?
É verdade que cada vez vemos mais autocaravanas na estrada, e com condutores mais jovens. Mas a manterem-se estas condições para a prática do autocaravanismo, temo pelo futuro desta forma de turismo itinerante em Portugal.
Porto-Covo poderá ser disso um caso paradigmático. Há 2-3 anos de passagem por esta emblemática aldeia contei cerca de 130 autocaravanas pernoitando por lá. Entretanto, um dos terreiros dantes ocupados pelas AC (sobranceiro ao porto-pesca), assim como o parque de estacionamento da Praia Grande, foram-lhes interditos com limitadores de altura. Aquele que estava identificado como sendo a área de serviço foi urbanizado (e a possilga destruída). Resultado, desta vez apenas contei por lá um quarto das autocaravanas que lá estavam da última vez que lá tinha estado (na mesma época do ano). No Verão... será melhor pensarem em destinos alternativos.
A aldeia modernizou-se, crescem os apartamentos para alugar, mas seguramente os comerciantes locais vão sentir saudades dos autocaravanistas. Desta vez, as poucas horas que lá permaneci ainda me levaram a deixar mais de 60 euros na rua central. Mas não sei quando voltará isso a acontecer.
O pior é que temo não ser o único. E por este andar das coisas temo pelo próprio futuro do autocaravanismo livre em Portugal. Custa-me a perceber aliás como podem os dirigentes do movimento associativo dormir sem insónias, organizando arraiais, procissões e patuscadas enquanto o autocaravanismo se atola neste pantanal.
Cuidado, Porto-Côvo pode ser um sinal premeditório, um aviso do que espera os autocaravanistas em Portugal. Os paraísos para o autocaravanismo poderão acabar bem antes dos paraísos fiscais que estão por detrás da actual crise económica mundial.

Raul Lopes

7 comentários:

Biblio Faria disse...

Ainda bem que não me sinto só, a sua descrição e sentimentos sobre o que se passa em Porto-Côvo são um espelho daquilo que constato desde Agosto de 2008.
Só para responder à sua comparação autocaravanistas-ciganos (que considero uma farpa, infelizmente, bem conseguida): em França constroem-se àreas para AC e segundo o que ouvi também zonas para ciganos, porque lá eles não usam barracas mas caravanas...

Já agora, onde fica aquela zona com ar simpático de uma das fotos?



Paula Vidigal

RauLopes disse...

Obrigado pela conforto das suas palavras, Paula. Com efeito, creio que Rui Veloso já tem uma canção a menos no seu repertório.

Envolvi-me no associativismo autocaravanista por não me conformar com a ideia de ver o meu estatuto social mudar no instante em que me sentava ao volante da Ac. Infelizmente acho que com o tempo a situação só tende a piorar. Socialmente falando somos cada vez mais os ciganos dos tempos modernos (ainda por cima sem identidade cultural colectiva).
...

Sobre a foto. O casario que se vê ao fundo é Salema (entre Lagos e Vila do Bispo). O local onde estão as autocaravanas é mais um descampado sem um único bar de apoio, que fica entre Salema e o Forte de Almadena ( N37º04'.45 W8º48'36.4). Se não quiser andar com a autocaravana na terra, use a N125 e desvie em Budens.

Desfrute enquanto se pode...

Anónimo disse...

Peço desculpa por ainda não me ter registado. O tempo foge..., mas não resisto a subscrever integralmente as palavras do companheiro Raul Lopes. Especialmente no que toca à comparação com as Marinas, em termos de custos e também ambientais. Não se compreende as formas distintas como se apoia o turismo feito de barco ou em AC.
Acho que é um ponto que deve ser usado com mais profundidade, para ver se ajuda a que as autoridades compreendam melhor a injustiça que está a ser levada a cabo, com prejuízo para ACs, Comércio em geral, Restauração e as próprias Autarquias, que quando acordarem um dia, possam ser os nossos melhores aliados.
Enfim, estava a pensar voltar este ano à Costa Alentejana, mas pelo que li, vou ter de mudar de ideias, com muita pena minha. Vou deixar os meus euros em terras mais Amigas.

Vitor Viegas

Elisabete Martins A. disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Elisabete Martins A. disse...

Olá Sr. Raul Lopes
Tudo o que disse e apresentou em relação aos autocaravanistas, é exactamente o que eu sinto e que gostaria de ter sio eu a escrever tão sábias palavras sobre a injustiça que é feita aos turistas itenerantes e como o sr diz e muito bem, que gostam de conviver com a natureza. Ora conviver com a natureza, não é propriamente estar fechado num parque de campismo, onde por vezes temos de aturar todo o tipo de barulho e conversas que não nos interessa. Quanto a Porto Covo a última vez que estive lá, só encontrei uma autocaravana, toda a vila estava uma desolação de ausência de turistas.O que o Pres. da Câmara de Sines desconhece é que o autocaravanista não viaja só no verão, é um turista do ano inteiro, fazendo,contribuindo com isso para o desenvolvimeno do comércio local, incluindo a restauração.
Por mim, naquele dia em que me apercebi que não querem lá os autocaravanistas, resolvi que nem um café lá iria beber.

Com os melhores cumprimentos
Elisabete

RauLopes disse...

Companheira Elisabete,
obrigado pelo seu testemunho.
Uma autocaravana em Porto Côvo? como os tempos mudam...!!!!!!
Lembram-se, Porto-Côvo foi um dos primeiros paraísos dos autocaravanistas...

Anónimo disse...

Boa tarde aos meus novos colegas autocaravanistas.
Acabei de comprar uma autocaravana e nesta fase co campeonato devoro toda a informação q posso para me integrar neste mundo das autacaravanas.
Fico triste com os relatos q leio e gostaria q as coisas mudassem. Tb eu irei ter q pensar onde pernoitar em localidades descriminatórias, pq como alguém disse, os meus passeios são feitos durante o ano inteiro.
Obrigado pelos vários depoimentos e boa viagem aos meus novos parceiros de estrada.
ARoque - Ericeira