segunda-feira, 20 de abril de 2009

Viajar Pela Patagónia

A Tribuna volta hoje ao tema das Viagens. Desta vez à mítica Patagónia na Argentina. Temos vários leitores brasileiros, tendo já publicado um post do companheiro Luiz Tostes sobre o Autocaravanismo no Brasil e os companheiros Graça e Renato são presença habitual como nossos "comentaristas".

Hoje a reportagem é da companheira Nadja Gomes Sampaio que a bordo do "Farofa", percorreu mais de 14 mil kms em 41 dias. Foi uma grande epopeia como podemos facilmente constatar pelas palavras desta aventureira e que mereceu honras de publicação no Jornal O Globo.



A BORDO DO FAROFA

Atravessar a Argentina percorrendo 14.527 quilômetros em um motor home (uma Kombi com a casa em cima) é uma aventura... e das melhores! O motor home, no caso, é uma Kombi Safari da Karmann Ghia, o Farofa: ano 1993, duas camas de casal; mesa; banheiro químico, pia e chuveiro de água quente; cozinha com fogão de duas bocas, pia, frigobar e armários. Esta foi a nossa confortável casa durante 41 dias. Nesta expedição estávamos eu, minha filha e dois amigos. Vivemos e vimos muito nas estradas de retas enormes, com vento da Patagônia, e ainda caminhos de rípio, um cascalho de pequenas pedras redondas. Nas partes onde está mais endurecido, pelas quais passam caminhões, formam-se costeletas, a casa sacode toda, a poeira invade tudo, depois é preciso fazer uma faxina.
O Farofa anda devagar, não passava de 60 km/h quando havia vento, e só chegava a 90 km/h nas melhores estradas, o que nos permitia apreciar a paisagem, que, mesmo no deserto, vai mudando. E, depois de muita estrada, sempre chegávamos a um lugar lindo, como se fosse um presente para os desbravadores.

Saímos do Rio em 27 de dezembro passado e rodamos três dias até Foz do Iguaçu. Primeiro problema: a validade da Carta Verde, seguro obrigatório para dirigir pelos países do Mercosul, começava no dia 1 de janeiro, e estávamos em 30 de dezembro. Policiais argentinos nos deixaram seguir para comprar em Puerto Esperanza o seguro do dia que faltava. Custou 170 pesos (cerca de R$ 100), mais da metade do que fora pago por um mês.

Nas estradas argentinas, é obrigatório andar com o farol aceso durante o dia. E a sinalização para ultrapassagem é ao contrário da usada no Brasil: quando o motorista da frente liga a seta da esquerda, é porque se pode passar. Na divisa das províncias Corrientes e Entre Ríos, fomos parados por não ter faixas refletoras nas laterais do veículo nem a velocidade máxima atrás. O patrulheiro já começou negociando, baixando a multa de 1.100 para 800 pesos, se pagássemos em moeda argentina. Depois de uma hora e meia de conversa, em que apelamos até para o aniversário da minha filha, naquele dia, chegamos ao valor de R$ 150 (passamos para reais porque tínhamos poucos pesos).

Após pagar, disse que gostaria de saber o número da lei pela qual estava sendo multada. O policial pegou meus documentos, foi conversar com o chefe e, na volta, devolveu o dinheiro, anunciando ser um regalo, um presente de aniversário, para minha filha. E não disse o número da lei. Chegamos a Buenos Aires às 21h30m, para passar o réveillon e comemorar o aniversário.

No dia 2 de janeiro, seguimos pela Ruta 3 em direção à Patagônia. Depois de três dias, alcançamos Puerto Pirámide, onde passeamos de barco (100 pesos por pessoa) e vimos leões-marinhos, elefantes-marinhos, pinguins e outras aves. Acho que chegamos no único dia de verão da Península Valdés: fazia um calor de 40 graus Celsius. Dormimos no camping municipal, a 15 pesos por pessoa.

No dia seguinte, andamos 268 km de rípio para conhecer outro habitat de leões-marinhos e pinguins na Península Valdés. Depois, seguimos para Usuhuaia. A primeira parada foi em Comodoro Rivadávia. A partir de lá, começa a ventar muito. O Farofa tem três metros de altura; rodas para dentro do limite do carro, o que aumenta a instabilidade, e uma folga na direção, natural numa Kombi. Era preciso segurar o motor home no braço. Quando éramos ultrapassados por caminhões, balançava ainda mais.

Anoitecia às 23h30m, e viajamos até as 21h. Paramos em Comandante Luis Piedra Buena, uma cidadezinha linda, no ótimo Camping Vial (18 pesos por pessoa). A Argentina tem muitos campings, quase todos com boas duchas a gás e energia a 220 volts.
A próxima parada foi em Rio Grande, na Terra do Fogo, onde dormimos na rua mesmo. Para chegar à ilha onde fica a cidade, é preciso passar por quatro alfândegas (sair da Argentina, entrar no Chile, sair do Chile e entrar de novo na Argentina), rodar 120 km de rípio e cruzar de balsa o Estreito de Magalhães. Uma epopeia!

Finalmente, Ushuaia. Passeamos de barco pelo Canal de Beagle (80 pesos por pessoa), fizemos um tour para conhecer a história da cidade (20 pesos), visitamos o Parque Nacional Tierra del Fuego (50 pesos) e fomos à Baía de Lapataia, onde termina a Ruta 3 - a 3.075 km de Buenos Aires.
Começamos o caminho de volta e dormimos no Estreito de Magalhães, no porto da balsa. Vimos uma linda lua cheia nascer amarela, quase à meia-noite, no Farol do Estreito. De El Calafate, voltamos para Rio Gallegos, para pegar a Ruta 3, desta vez para subir. Chegamos a Puerto San Julian, onde há uma réplica da nau Victoria e um museu contando como foi a chegada da frota do espanhol Fernão de Magalhães, na sua volta ao planeta. O camping municipal é baratinho: 10 pesos pelo veículo e 1 peso por pessoa.

De Puerto San Julian, na Patagônia, voltamos para Comodoro Rivadávia. No caminho, o pneu da frente furou num declive. Tivemos dificuldades, até porque o acostamento da Ruta 3 é pequeno e de cascalho. Resolvemos mudar a rota e ir para Bariloche.

Nossa primeira parada foi em Esquel. Ficamos no Camping Nahuel Pan, o mais caro de toda a viagem, a 28 pesos por pessoa (menos de R$ 20). No dia seguinte, descobrimos que o posto Petrobras, em frente ao camping, tinha uma ducha maravilhosa, a 3 pesos por pessoa. Em Esquel, fizemos a manutenção do veículo, e ainda deu tempo de aproveitar uma viagem no La Tronchita (tíquete a 50 pesos), um trem a vapor de 1916, original. Ele percorre 400 km entre Esquel e El Maitén (na divisa das províncias de Rio Negro e Chubut), passando por paisagens e formações rochosas lindíssimas. Em El Maitén, visitamos um museu de culturas originárias da Patagônia.

Entre Esquel e Bariloche, almoçamos em El Bolsón, cidade cheia de mochileiros, de ecopasseios, e com uma cerveja artesanal deliciosa. Chegamos quase à noite em Bariloche. Dormimos em um estacionamento em frente ao Lago Nahuel Huapi, com a melhor vista da cidade. No dia seguinte, fizemos o circuito Chico, que inclui subir de teleférico (35 pesos) e se deslumbrar com a vista do Cerro Campanário. Como havia sol e estava muito quente, minha filha e um amigo se aventuraram em um mergulho nas águas gélidas do Lago Moreno. Eu me contentei em molhar as pernas em ambos.

De Bariloche, rodamos por Neuquén, Bahía Blanca, e fomos dormir em Tres Arroyos. No dia seguinte, chegamos a Buenos Aires. Depois de saracotear quatro dias pela capital, pegamos a estrada de volta para o Brasil, fazendo o mesmo percurso.
De novo, em Entre Ríos, fomos parados em uma barreira. Depois de não achar nada para multar, o policial nos pediu uma ajuda para a caixinha. Dei 10 pesos e seguimos para dormir em um posto YPF.

No dia seguinte, chegamos a Puerto Iguazu. Ficamos em outro posto da bandeira, do lado da alfândega, que tinha toda a estrutura, para economizar e, depois, gastar nas lojas duty free, que são de enlouquecer os consumistas. Conhecemos as Cataratas do Iguaçu, mais bonitas do lado argentino.

Qualquer um com um carro de boa mecânica e bons pneus pode fazer essa aventura. Nem precisa de GPS. Eu levei o meu, a Maria do Socorro, que foi de grande auxílio para entrar e sair de Buenos Aires. Mas, de um modo geral, bastam bons mapas.

Praticamente todos os campings argentinos têm as chamadas cabañas, pequenos apartamentos confortáveis e com preços bem mais em conta do que os de hotéis, principalmente para quem viaja com criança. O campismo é muito difundido na Argentina, e muitas pessoas usam motor homes e trailers.

É uma viagem barata. Gastamos na média 80 pesos (R$ 50) por dia, em alimentação e acomodação, num total de R$ 2.173 por pessoa (41 dias). A gasolina custou R$ 4.684,28, ou R$ 1.171 para cada um. O gasto total, por pessoa, não incluindo os passeios pagos nem as comprinhas pessoais, foi de R$ 3.344. Na minha conta ficaram os consertos do Farofa e a troca de óleo e de pneus, num total de 1.400 pesos (R$ 860). Mas o prazer de desbravar a Patagônia e a Terra do Fogo, esse não tem preço...


Nadja Gomes Sampaio

1 comentário:

Gracita disse...

Esta aventura ainda nos falta mas chegaremos lá. Parabéns! Graça