terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Recordando outros Carnavais: ao encontro dos Caretos de Podence

Daqui a quinze dias repete-se o ritual dos festejos de Carnaval. Disfarçando a fraca tradição da data entre nós, um pouco por todo o lado o país vai ser invadido pelos desfiles com ritmo e sotaque brasileiro. Mas a cultura tradicional portuguesa também nos oferece outros desfiles, outros registos, outras cores e sabores. Pela mão da companheira Paula Vidigal, a quem a TAC agradece a amabilidade da colaboração, aqui fica uma proposta diferente de viver o Carnaval. Na sua crónica Paula Vidigal leva-nos ao encontro dos Caretos de Podence, pretexto para usufruir do que melhor Trás-os-Montes tem para nos oferecer. Que bela sugestão...




O tempo passa a voar e, se ontem foi a passagem de ano, daqui a nada está aí o Carnaval. (Lembro-me ainda, quando era adolescente, que uns dias a seguir ao Ano Novo, a garotada começava a rebentar bombinhas de Carnaval, quase cosendo as duas datas festivas…).


Provavelmente para fazer justiça a esses tempos, ocorre-me agora a viagemdecasaascostas de 2008, em épocas de Entrudo. O pretexto era mesmo viajar; a temática a tradição das máscaras, das carantonhas, dos mascarados, dos caretos.


Desta vez o Carnaval comemorou-se cedo (dia 3 de Fevereiro era domingo Gordo), pelo que o Inverno ainda se fazia sentir e bem! O frio acompanhou-nos sempre e, infelizmente, a chuva. No sábado, preguiçámos na viagem e, se o destino era Podence, talvez com pernoita em Foz Côa, optámos por parar mais cedo, por volta das 17.30, em Freixo de Numão, naquele que é um local já consagrado a AC. Lá estava uma francesa e nós. Água e local de despejo. Dedicámo-nos, com o frio, à vidinha caseira: copas, “olho do K”, leituras…


No dia seguinte, a chuva instalou-se de vez , mas mesmo com ela as visitas ao Vale “rupestre” do Foz Côa estavam esgotadas até dia 5. Felizmente que as lojas dos chineses não conhecem feriados sejam eles gordos ou magros, já que o esquecimento dos chapéus-de-chuva nos levou a Marcos de Canaveses à procura dos ditos cujos. Dali a Podence a excitação era grande porque a vontade de ver a chocalhada era muita.

Os Caretos representam imagens diabólicas e misteriosas que todos os anos desde épocas que se perdem no tempo saem à rua nas festividades carnavalescas de Podence – Macedo de Cavaleiros. Interrompendo os longos silêncios de cada Inverno, como que saindo secretos e imprevisíveis dos recantos de Podence, surgem silvando os Caretos e seus frenéticos chocalhos bem cruzados nas franjas coloridas de grossas mantas."



O programa das festas (previamente consultado na net), dizia-nos que o desfile seria por volta das 15h, creio. Até lá, havia tempo, qual Óbelixes, para um belo almoço de leitão assado no, certamente, melhor (e creio que único) restaurante da terra. Mas se o gaulês comemora no fim da festa, a nossa comemoração foi antes e não nos deu muita sorte. A partir dali a chuva foi basicamente o som que se fez ouvir. O desfile dos Caretos que, segundo a tradição, se despede do Inverno e saúda a Primavera, não pôde mostrar-se nem renovar as estações.


Graças à chuva, os trajes coloridos, feitos de colchas franjadas de lã ou linho, não se atreveram a soltar-se ruas fora, ensopando-se em mantas pesadas e impossibilitando a correria e a energia máscula dos homens que as vestem. Se os chocalhos à cintura têm como finalidade assinalar os dias do calor que se aproximam, era óbvio que o tempo lhes cortava as voltas. Mesmo assim, soava aqui e ali um chocalho mais afoito que nos fez correr até à tenda gigante montada para a exposição da Festa. Lá dentro, aquecedores gigantes e muita animação: gaiteiros da nuestra hermana España e os tão esperados acabaram por dar caras, ou melhor, dar às ancas em cima do mulherio que ria de prazer e dor. Bem esperámos que o sol os aplaudisse e aparecessem, mas acabei a levar com os chocalhos mesmo ali, debaixo de chuva e frio.

A esperança extinguiu-se e a noite foi passada em Bragança, debaixo de frio, num local pacato e simpático: frente à antiga gare de comboios. Apesar das expectativas furadas, na Casinha reinou a boa disposição, à excepção de algumas reticências do mais jovem que não olhou com bons olhos a energia e as carantonhas dos caretos. Afinal há sempre locais a conhecer cá dentro, Bragança era um dos que nos faltava. A manhã de segunda foi passada ao longo do seu centro histórico.




Para rimar com a temática da viagem, aprofundámos os nossos conhecimentos sobre as máscaras e trajes de Carnaval tradicionais, no Museu Ibérico da Máscara, simpático e acolhedor.



Incrível como a tradição se repete por essas aldeias espanholas.Quem sabe um bom roteiro para outros carnavais…




À tarde, visita rápida a Murça para ver de perto a sua porca.


Final de dia em Vila Real para um banho de sétima arte: o último com Johnny Deep – Swenney Todd, um musical fabuloso mas tenebroso.

Pernoita mesmo ali perto do shopping Dolce Vita, ao lado de uma zona residencial, com algum barulho de música de noite, mas sofrível.

Terça-feira de Entrudo e desta vez a chuva não ia estragar a festa. Era a nossa secreta (e bem apregoada) esperança, já que o plano era seguir de perto outras andanças carnavalescas de ar livre. Às 11.30, com medo de perdermos o lugar, já estávamos às portas de Lazarim , uma aldeia ao longo de estrada magra com pouco espaço para AC. Coubémos.
Na padaria (a única da aldeia) fazia-se fila para o pão e bola de carne. Foi o nosso almoço, apesar de a tenda gigante no centro da aldeia, nos acenar com um belo cardápio regional. Das 14.00 às 19.00 vimos desfilar um grupo singular de máscaras e de trajes, numa manifestação de alegria invulgar e insólita. Contrariamente a Podence, aqui a mulher também participa e, pelo que vimos, concorrendo em força.



(abertura do desfile pelos padrinhos)





De trapos velhos, de palha e outros constituintes da mãe-Natureza, a criatividade e o engenho mostra que não é preciso seda e riquezas para criar o belo e colorido. Para além do desfile toda a manifestação é original: a abertura do desfile pela madrinha e padrinho lida de um balcão, a leitura dos testamentos, com a sua linguagem pícara e picante visando alvos conhecidos da aldeia (e a corarem ali ao nosso lado), o concurso das máscaras e a queima dos bonecos de palha. Ao que parece os testamentos são redigidos ao longo do ano, logo a seguir ao dia de Entrudo. Os deste ano certamente já estarão destinados e redigidos, provavelmente não às escondidas, em velhos barracões e palheiros, mas quem sabe, na troca de e-mails e sms já que muitos dos jovens participantes estudam na cidade e vão à “terra” pela altura das festas.



(leitura dos testamentos)









(queima do boneco)
O epílogo da festa é de barriga cheia, já que se oferece a todos (aldeãos e forasteiros) um caldo de farinha e feijoada ali mesmo cozinhados, em panelas de ferro, ali, no centro da praça e ao vivo. O calor das brasas, do vinho e da alegria acompanharam-nos até Viseu, onde cortámos o banho pagão com um Ásterix na tela da sétima arte, in Fórum Viseu. Pernoita no antigo Rossio, quase ao lado do Viriato e de duas carrinhas itinerantes.
(preparação da feijoada)
Já de regresso, a nostalgia do passado acenava e não resistimos ao apelo da voz coimbrã, mas à beira-rio já não há lugar para AC. Aliás, a senhora do parque de estacionamento esclareceu-nos que toda aquela zona não é aconselhável a pernoitas, dado que o amigo do alheio por ali já actuou algumas vezes com estrangeiros e portugueses. A ideia era só almoçar, mas registámos, com pena. Afinal em Coimbra tem de se pernoitar no Camping? Não há outros locais exteriores possíveis?
Era o fim das curtas férias, não havia tempo para indagar… se alguém souber de algo interessante naquela que é uma das nossas cidades eleitas, que diga.


Paula Vidigal
http://viajantedecasaascostas.blogspot.com/

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